CARTA ABERTA AO GOVERNADOR ELEITO
Prezado governador Jerônimo Rodrigues,
Somos a ACUBA – Articulação Cultural da Bahia, um grupo de fazedores culturais da sociedade civil oriundo de vários territórios do interior do estado da Bahia, reunidos desde 2020 para nos apoiarmos durante a implementação da Lei Aldir Blanc 1 em centenas de municípios baianos. Nesses quase 3 anos nos tornamos um coletivo que colabora mutuamente das mais diversas formas e que debate políticas culturais de forma viva e pulsante em nosso estado.
Como o senhor, somos do interior do estado, essa categoria contraditória que contém ao mesmo tempo a maior parte do território e da população do estado e os menores recursos de fomento na área da cultura. Falamos a partir dos municípios mais distantes da capital. Do Sertão do São Francisco até o Litoral Sul, da Bacia do Jacuípe até o Sudoeste Baiano, do Litoral Norte até a Chapada Diamantina.
Entendemos que estamos num momento crucial para a cultura baiana e por isso decidimos trazer para reflexão o que nos parece prioritário e indispensável considerar em termos de reconstrução das políticas públicas de cultura em nosso estado. Independente da pessoa que ocupe os principais cargos e diretorias da Secult acreditamos na necessidade de termos pessoas que em primeiro lugar sejam do campo cultural, conheçam os meandros da administração pública, que tenham conhecimento técnico e relação profunda com os debates entorno das políticas culturais no país, que tenham um bom trânsito político e institucional, que sejam capazes se compreender a diversidade de agentes e manifestações culturais presentes na Bahia e que compreendam as singularidades de cada território de identidade que compõe o nosso estado.
Temos orgulho que a Bahia se notabilizou como referência nacional no campo das Políticas Culturais durante o governo Jaques Wagner (2007-2014). Neste período, acompanhamos de perto o interesse e disposição em avançar em quesitos importantes como: Territorialização, Diversidade e Democratização das
ferramentas de financiamento, de acesso, e de diálogo promovido pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SECULT). Ainda que não estivéssemos num cenário que consideramos ideal, (no tocante à própria “Interiorização”, ao Orçamento, ao número de Servidores Contratados, etc.), reconhecemos que, nos 8 anos citados, o governo Wagner e a SECULT impulsionam ações e políticas prósperas. Podemos citar algumas: (1) Conferências Estaduais de Cultura descentralizadas (F. de Santana-2007; Ilhéus-2009; V. da Conquista-2013), (2) Colegiados Setoriais de Artes; (3) Representantes Territoriais de Cultura (RTCs); (4) Caravanas da Cultura; (5) FUNCEB Itinerante; (6) Reforma e Instrumentação dos Centros de Cultura; (7) Relatório Bienais da FUNCEB; (8) Editais Setoriais; (9) Plano Estadual de Cultura e Lei Orgânica de Cultura; etc.
Infelizmente os últimos anos foram marcados por um sério período de contingenciamento, regresso e descontinuidade de ações e políticas culturais. Desde 2013 não há uma Conferência de Cultura; os colegiados setoriais foram desmobilizados; a última edição da FUNCEB Itinerante ocorreu em 2014; o
último Relatório da FUNCEB data de 2019 (antes havia um vácuo desde 2014); ficamos anos sem concursos para RTCs; a última edição dos Editais Setoriais foi em 2019 (antes havia um hiato desde 2016); alguns Centros Culturais (principalmente do interior) estão em “eterna reforma” e há anos não há concursos para contratação de técnicos, nem renovação dos equipamentos; etc.
Além disso, cabe ressaltar que enfrentamos dados desconfortantes no tocante à hiper-concentração de recursos financeiros em Salvador e Região Metropolitana, em detrimento dos demais Territórios. Por exemplo, entre 2007 e 2018, aproximadamente 92,3% dos recursos captados na área de música através do Fazcultura ficaram represados nas mãos de proponentes de Salvador e Região Metropolitana. Ademais, 62% dos projetos aprovados nos Editais Setoriais de Música entre 2007 e 2016, também ficaram “ilhados” nas mãos de proponentes da capital (RIBEIRO,2019)#.
Diante deste crítico cenário, nós, agentes culturais do interior da Bahia, nos propusemos a redigir este documento, porque ainda acreditamos que governos progressistas (como o do PT), são mais dispostos à democracia e ao diálogo com a classe artístico-cultural. Por isso mesmo, nós, do interior, militamos, pedimos voto e fomos responsáveis pela vitória do projeto político encabeçado pelo governador eleito Jerônimo Rodrigues (afinal, foram os votos do interior do estado que garantiram a vitória do PT na Bahia).
Deste modo, apresentaremos abaixo algumas demandas e propostas que consideramos urgentes, com o propósito de contribuir para que esta nova gestão se aproxime da Cultura de forma mais tenaz, eficiente e feliz.
I. Diagnóstico:
As ações de retomada e fortalecimento da Cultura devem se basear no ordenamento jurídico existente: Constituição Estadual, na Lei Orgânica da Cultura (Lei nº 12.365 de 30 de novembro de 2011), Plano Estadual de Cultura (Lei nº 13193 de 13 de Novembro de 2014) e resultados da V Conferência Estadual de Cultura de 2013.
De acordo com o estudo “Novas configurações para a produção musical independente baiana (2007-2019)”, de Uyatã Ribeiro, entre 2007 e 2018, aproximadamente 92,3% dos recursos captados na área de música através do Fazcultura ficaram represados nas mãos de proponentes de Salvador e Região Metropolitana.”
Nos últimos anos, o setor também tem sofrido com a crescente burocratização dos processos de financiamento à cultura, desde a cobrança de documentos para assinatura dos Termos de Ajustes de Conduta (TAC) e a cobrança abusiva de prestação de contas de 10 anos atrás. Isso mesmo dentro de uma tentativa de “Humanização dos Processos Seletivos dos Editais” em 2019.
II. Demandas:
1) Orçamento e políticas de fomento
a) Garantir a execução total do orçamento da Secult previsto na LOA 2023 (R$ 223.360.000,00);
b) Garantir, a partir de 2024, a ampliação progressiva do orçamento do Estado para a Cultura (atualmente em 0,29%), a partir de 1%, até ao menos 1,5% no final do mandato; garantir que não haja contingenciamento orçamentário na pasta da Cultura;
c) Aportar recursos do FCBA e outros recursos próprios da pasta da Cultura para fomento ao setor, e não apenas recursos federais através da LPG e LAB2;
d) Garantir a realização anual dos editais, em cumprimento ao item iii do Art 4o. do Plano Estadual de Cultura;
e) Aperfeiçoar a gestão administrativa dos editais e a comunicação com os proponentes, humanizando, facilitando e desburocratizando os trâmites, em cumprimento a LEI FEDERAL Nº 14.129, DE 29 DE MARÇO DE 2021, em especial ao item X do art 3º;
f) Criar políticas de fomento adequadas a todos os públicos de fazedores da cultura, entendendo as diferenças e dificuldades da maioria deles em se enquadrar nas exigências burocráticas dos editais,garantindo o direito de acesso ao fazer cultural a todos os fazedores da cultura;
g) Criar outros mecanismos de repasse e fomento, além dos editais, através de programas permanentes, que visem à busca ativa e transferência de renda, conforme executado pela própria Lei Aldir Blanc 1;
h) Revisar a Lei do FazCultura, para desburocratização, facilitação, simplificação e ampliação do acesso aos fazedores de cultura do interior do estado;
i) Criação de editais para os municípios, para descentralização de recursos para os Fundos Municipais de Cultura;
j) Fornecer assistência técnica aos fazedores de Cultura para desenvolvimento, execução e prestação de contas de propostas culturais;
k) Criação de um arcabouço legal que garanta repasse de percentual do ICMS aos municípios do fundo estadual para os fundos municipais;
l) Realizar repasses habituais do FCBA para os Fundos Municipais.
2) Política de Territorialização da Cultura
a) Cumprir o disposto no item X do art 4º da Lei Orgânica da Cultura (LEI Nº 12.365 DE 30 DE NOVEMBRO DE 2011): Art. 4º – São princípios orientadores da Política Estadual de Cultura: X -territorialização de ações e investimentos culturais;
b) Promover a interiorização dos recursos do FazCultura: criar mecanismos para impulsionar a captação por agentes culturais do interior, bem como estimular empresas patrocinadoras a financiarem projetos do interior;
c) Estabelecer cotas para os territórios em todos os editais e outras políticas de fomento;
d) Promover ações permanentes de formação nos Territórios;
e) Garantir que os cargos da SECULT sejam distribuídos com equidade entre interior e capital;
f) Viabilizar as ações dos RTCs, através de recursos humanos, materiais e orçamentários adequados e ampliar a quantidade de RTCs por território, de forma clara e transparente;
g) Aumentar a capilaridade dos serviços prestados pelas vinculadas da Secult em todo o Estado;
h) Reativação das Caravanas da Cultura;
i) Garantir que os pareceristas/curadores de projetos inscritos em editais da SECULT sejam oriundos do interior, em proporção igual aos da capital;
3) Participação social e transparência da gestão
a) Fortalecimento do CEC, garantindo a autonomia da ação dos conselheiros representantes da sociedade civil; garantir os recursos materiais e humanos necessário para o funcionamento do CEC;
b) Fornecer assessoramento técnico e jurídico para garantir o funcionamento e elaboração de normativas pelo CEC;
c) Promover transparência e publicidade de todas as ações e documentos do CEC e regularizar as transmissões online da íntegra de suas reuniões;
d) Criar canais de diálogo permanente com a sociedade civil, garantindo reuniões regulares para receber suas demandas;
e) Publicação dos relatórios de gestão bienais da Secretaria e suas vinculadas ;
f) Publicação dos dados da execução da Lei Aldir Blanc;
g) Dar ampla publicidade às ações e serviços da SECULT;
h) Reativação e fortalecimento dos Colegiados Setoriais;
i) Criar um canal de diálogo com as Câmaras Temáticas de Cultura dos CODETERS para receber as demandas dos territórios e implementar as ações correspondentes, integrando-as à política de territorialização promovida pela SECULT;
4) Estrutura e gestão da SECULT
a) Realização de concurso público para ampliar o corpo técnico e administrativo da SECULT, incluindo suas unidades descentralizadas;
b) Definir critérios mais objetivos e transparentes, nos casos de realização de seleção através de REDAprestado
c) Nomeação de cargos de gestão e técnicos a partir de critérios técnicos, reduzindo a influência das indicações políticas, que hoje determinam a ocupação dos cargos.
5) Sistemas de Cultura
a) Monitoramento e avaliação da implantação e revisão do Plano Estadual de Cultura;
b) Realização de Conferência estadual bienal;
c) Realização das Conferências Territoriais, com apoio dos RTCs;
d) Monitoramento e apoio à implantação dos Sistemas Municipais de Cultura;
e) Atualização/Inovação da Plataforma de Sistema de Informações e Indicadores em Cultura (SIIC);
6) Lei 8899/03 – Mestres dos Saberes e Fazeres da Cultura Tradicional Popular
a) Finalizar com urgência a revisão e garantir a implementação imediata da Lei, há 20 anos promulgada, porém até hoje jamais tirada do papel;
7) Pontos de Cultura
a) Retomada da política dos Pontos de Cultura em todos os Territórios de Identidade incluindo o apoio a todas as ações da Rede de Pontos de Cultura da Bahia;
b) Implementação da Lei Cultura Viva (Lei 13.018/14) na Bahia;
c) Garantia de apoio técnico humanizado e jurídico para os Pontos de Cultura, prevenindo a ocorrência de problemas na prestação de contas e insegurança jurídica;
d) Garantia de verificação da prestação de contas, realização de diligências e finalização dos processos com celeridade e em acordo com os prazos legais;
e) Capacitação Técnica em Projetos e Fortalecimento da Estrutura Institucional de Cada Espaço com Cursos de Formação Específicos.
8)Espaços Culturais
a) Reabilitação, reativação e estruturação (com equipamentos e contratação de recursos humanos/ técnicos qualificados) dos Centros de Cultura e espaços culturais da SECULT no interior e capital, atualmente subutilizados, precarizados, em mal estado de conservação e sem equipamentos;
b) Ocupação dos espaços culturais através de editais que garantam aos artistas os meios (equipamentos, pessoal e orçamento) para execução dos projetos;
c) Construção de novos Centros de Cultura em cidades do Interior e Região Metropolitana;
d) Realizar editais e outras políticas de fomento voltadas a espaços de Cultura de coletivos, associações e outras organizações da sociedade civil;
e) Realizar uma Gerência Colaborativa dos Centros de Cultura, em especial no Interior do Estado.
9) Patrimônio e Memória
a) Estruturação da política de gestão e apoio aos museus e acervos museológicos vinculado ao IPAC;
b) Retomar a articulação da Diretoria de Museus;
c) Reestruturação total dos museus vinculados ao IPAC;
d) Retomar e fortalecer a política de apoio e fomento aos bens imateriais registrados.
10) Formação
a) Implantação e parcerias em Programas de formação para os fazedores de cultura tanto nas linguagens artísticas como em gestão cultural, direitos culturais, economia da cultura entre outros. para fazedores culturais, organizações, pontos de cultura, instituições, CEC, etc.
Atenciosamente,
ACUBA – ARTICULAÇÃO CULTURAL DA BAHIA.